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quinta-feira, janeiro 29, 2004

Nada de palavras

Aconteceu de novo. Caí mais uma vez na armadilha mais manjada que existe. E faz três meses, poderia fazer três séculos ou três minutos: eu, numa aula de uma segunda-feira qualquer, igual a tantas, os olhos voltados para meu caderninho de anotações, ao meu lado, como sempre, aquele que, mais tarde, viria a ser você. Levanto o meu olhar e o vejo nitidamente ao meu lado, fitando-me, fitando-me: reconheci-o como se reconhece alguém que já não via há muito tempo e de quem a saudade sempre fora tanta. Sem hesitação: nenhum medo, nenhuma surpresa. Era, e ainda é, um verdadeiro príncipe, só os olhos vibrantes para identificá-lo e fitando-me, agora com um quase sorriso. Durou talvez um minuto a visão, nem isso: mas ainda hoje me ofusca, me enlouquece, tira-me da minha órbita ou de qualquer órbita, levita-me e também me afunda com tanta precisão.


E faz esse tanto de tempo desde que te vi pela primeira vez, e é como se o tivesse visto sempre. É, sim, este olho, não sei o que você guarda nele, ou se ele é que guarda você, a mim sei que me diz coisas que nunca ninguém me disse, é como se fosse meu este olho, e ele é meu, eu sei. Não lhe digo em palavras, porque não adiantaria, a gente se entende mais não dizendo do que preenchendo este vazio já tão cheio, eu mesmo me digo coisas que nunca devera ter dito, já que quase nunca cabem. Passei todo o ultimamente que me recordo, em silêncio, me procurando e nunca me encontro e fico me procurando em você e só me perco, fujo de mim mesma, dos seus, meus olhos.


Agora este soneto é diferente, porque o fiz pensando em você, talvez pensando em mim, sem querer admitir tal vaidade. De qualquer forma, foi um soneto, uma canção, um gesto, talvez o último. Odeio últimos gestos. Odeio todas as últimas coisas, inclusive este instante, que sei que será o último, porque não sou eu, aqui, refletida nos seus olhos. Imagem invertida.


Nada de imagens ou palavras. Prefiro este eterno silêncio em que me encontro, porque ele já diz tudo e fora esse tudo, nada mais faz sentido. Nem a dor tamanha que eu tenho sentido. Basta que me olhes e, pronto, está feito, consumado. Ela se foi. E fica só o seu olhar, que é meu. Não tenho feito outra coisa senão ir atrás do que é meu, a única coisa realmente minha, dentro dos seus olhos e vou até onde for preciso para tê-la e posso até te perdoar por fitar-me tantas vezes com estes mesmos olhos.


O fato de desaparecer como apareceu, também o pensamento faz o mesmo, e o sonho, e nem por isso são menos reais e lhes conseguimos fugir ao jugo. Mesmo na eterna inutilidade, vou continuar fugindo até, talvez me encontrar, bem lá dentro de você, de onde eu nunca haveria de ter saído.

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