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quinta-feira, setembro 04, 2003

Crônicas sobre vantagens e desvantagens do computador, por Fernando Sabino (dedicada ao colunista de O Globo, Luís Antônio Gravatá) e por Mário Prata. Visões diferentes e muito divertidas dessa máquina do Demo, como costumo chamar.

MINHA NOVA NAMORADA
Fernando Sabino

TENHO a informar que arquivarei a partir de hoje, espero que para todo o sempre, esta máquina de escrever na qual venho juntando palavras como Deus é servido, desde que me entendo por gente.

Não a mesma, evidentemente. Ao longo de todos estes anos, da velha Remington Rand no escritório de meu pai, passei pela Underwood, a Olympia, a Hermes Baby, a Hermes 3.000, a Smith Corona, a Olivetti, a IBM de esfera - algumas de mesa, outras portáteis ou semiportáteis. Todas mecânicas, com exceção desta última, que é elétrica.

Pois agora aqui estou, pronto a me passar para algo mais sério, iniciar uma nova aventura amorosa. Sim, porque segundo me ensinou minha filha, que entende de ambos os assuntos, os computadores e as mulheres têm uma lógica que lhes é própria e que devemos respeitar. Pois vamos ver como esta computa - e nem o palavrão contido em seu nome sugere-me outra coisa senão que se trata de minha nova e casta namorada.

Assim como para o homem tudo se ilumina na presença da mulher amada, para o escritor este invento é uma forma igualmente luminosa de realizar a sua paixão pela palavra escrita. Não é uma simples máquina de escrever, que funciona como intermediária entre o escritor e a escrita, às vezes se tornando um obstáculo para a criação literária. Ao contrário, o computador estabelece uma surpreendente intimidade com o texto no momento mesmo de sua elaboração. Permite emendas, acréscimos, supressões, transposições de frases e parágrafos com uma velocidade milagrosa. Deve ter alguém lá dentro comandando tudo, provavelmente uma mulher, uma japonesinha, na certa. Ela dá instruções, chama nossa atenção se esquecemos de ligar a impressora, conversa com a gente: “Operação incorreta. Tente de novo”. E quando dá certo: “Operação executada com êxito”. Só falta acrescentar: “Meus parabéns. Eu te amo!”

Escrever, que durante tantos anos constituiu um tormento para mim, passará a ser um caso de amor. Nunca mais olharei sequer para a máquina de escrever. Serei radical: ou entregar-me a este conúbio com o computador, no suave embalo de suas teclas e no luzente sortilégio de suas letras, ou regredir à solidão do celibato, em companhia da austera e rascante pena de pato.

Imagino só a felicidade de Tolstoi, se pudesse ter escrito todo a “Guerra e Paz” com a mesma facilidade com que passei a escrever esta crônica no computador.

Pois então lá vai (em homenagem ao amigo Gravatá, meu guru da Informática):

O mellor de um computador está nisso: poder torocar uma palavra a vo tade, mudar de idéia sem mudar o papel Sem usar o papel. Uma das vantagens do
computador é PODER corrigir tuDO no fimmmm. Nã precisa decaneta Máquina de escrever e canheta já eram.
Numcom puta dor o sonho de um escritor se realiza: o da perfeição sbsoluta de uma
semntença, graças à facilidade em,mudar palavras, cortar, acrescen
tar. O sonho do escritor e de toda a humanidade
O SONHO DA HUMANIDADE DE ATINGIR A PERFEICAO
atingir a perfeição
A perfeição que a humanidade sonha em atingir Sonha atingir
Que o homem sonha alcançar conseguir realizar
Muita gentye fica admirada ao percebner a facilidade com que
Muita gente se admira com a facilidade
Muitos leitores se admirão com a aparente facilidade com ue escreverei fraes quae perfeitas escrevo sentenças textos quase per- feitos depois que abandonei troquei a A
máquina de escrever esta sim
uma engenhoca de
tração animal por esta fabulosa invençção
esta prodigiosaº admirável estupenda assombrosa espantosa m,iraculosa, extraordinária maravilhosa
até parece
que os sinônimos fabulosa ocorrem com mais faci-lidade sem precisar consultar
dicionários
d sinônimos,Desde que é mais
fácil revisar e editar um texto computado?
Computorizado computadorizado
do que
escrito a mÁQUINA OU A MÂO torna muito
extremamentedifícilimpossível
parar de revisaeeditarosuficiente para resultar çuma frase
legível quanto mais
uma crônica sobre a nova namoraddaPOISStãa pois então vai assim
meso!!!#@@@***boa x.sorte procês………..


(Do livro de crônicas e histórias "No Fim Dá Certo”
Fernando Sabino, 1998)

Vamos aos contras...

QUARENTENA

De cara vou avisando que a crônica de hoje era para ser outra. Mas tive problemas com o computador depois que abri os e-mails do fim de semana. Em um deles tinha vírus e o doctor Norton me alertou e já tomou a sua decisão mandando-o para o quarentena. Pra quem não manja de computador, o Norton é um caçador de vírus. Vive disso. Aí eu fui lá no quarentena (é "no" sim, revisão, pois é o lugar da coisa lá do Norton) e o danado tava lá. Preso.

Pego em flagrantíssimo. Fui logo no excluir e o Norton me aconselhou a mantê-lo lá. Ou seja, um computador me dando conselhos. E há alguns anos já.

Mas eu reagi.

Excluí. Pois a partir daí o computador enlouqueceu e eu fiquei mais de uma hora para ter o domínio. Sim, domínio, porque ele é meu, foi comprado e pago. E eu não admito mais receber ordens dele. E quando ele te pergunta "tem certeza que..."?

Enquanto eu passei essa uma hora montado em cima dele como se fosse em cima de uma vaca brava em Barretos, fiquei pensando por que é que eu não confiava naquele papo de deixá-lo no quarentena. Em primeiro lugar porque acho meio ignorante da parte dele (o computador) chamar aquele lugar de quarentena.

Como a palavra nos remete automaticamente ao número 40, fico sempre imaginando que, depois de 40 dias, o tal do vírus vai acordar, dar uma gargalhada e nos infernizar. Provavelmente promovendo um suicídio total do nosso computador. Portanto, achei que o título estava errado. Cismei, fazer o quê?

Foi quando fui ao Houaiss e vi que o seu Norton tinha alguma razão. Olha o que o homem fala: "Conjunto de medidas e restrições que consistia especialmente no isolamento, durante certo tempo (originalmente 42 dias), de indivíduos e mercadorias provenientes de regiões onde grassavam epidemias de doenças contagiosas." Indivíduos e mercadorias, veja você.

Se você está lendo isto aqui é porque o computador ficou bom e eu passei o e-mail para a redação, claro. Quer dizer que eu ganhei a briga. Pelo menos mais ou menos. Mas que é um absurdo ficar travando batalhas com esta máquina aqui, é.

Eu admiro (embora odeie) as pessoas que passam dias, meses, anos, trancadas nalgum lugar do planeta inventando vírus. Bolando estas malvadezas quase infantis.

Mas cuidado, o carinha está apenas começando, assim como a internet e a popularização do micro (como dizem os mais íntimos). E pensar que antigamente se chamava cérebro eletrônico. O que é que esse tipo de gente vai estar fazendo conosco daqui a uns cinco anos? E daqui a uns dez anos?

Que tipo de pergunta o seu micro vai te fazer? É meio assustador imaginar.

Estamos começando uma nova era. Este troço vai nos dominar. Vamos acabar escrevendo a crônica que ele quiser.

E não sobre um diálogo entre a mãe (separada) e o filho de 11 anos que volta para casa depois de passar o fim de semana com o pai e a nova namorada (do pai). E a mãe, fingindo não estar interessada, começa a interrogar sutilmente o garoto até saber tudo sobre a outra.

Mas pintou o vírus, as quarentenas, o doutor Norton me perguntando:

- Você tem certeza que quer mesmo escrever esta crônica?


E eu continuo achando que tudo isso é obra do Demo!

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