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quarta-feira, março 17, 2010

O Demolidor ou O Castelo de Areia

Um dia, em Laranjal, Minas Gerais, nasceu Serginho. O terceiro de nove filhos. Mas não o terceiro em esperteza. Serginho foi o primeiro em quase tudo. Primeiro a falar. Primeiro a andar. O primeiro a ir ao shopping sozinho. O primeiro a matar um passarinho. Não porque seus pais fizessem algum esforço para que tal pioneirismo tomasse lugar, mas porque era assim que ele queria e era assim que ele sabia viver.

No Rio, onde passava férias com a família, ir à Praia de Copacabana era o seu programa predileto. A brincadeira era sempre a mesma: construir castelos de areia. Não só construir, mas eleger o melhor de todos e, adivinhem quem sempre ganhava... Serginho! O dele era sempre o maior e o mais equipado e o mais bonito e o mais charmoso e o mais repleto de janelinhas super difíceis de fazer quando só se tem em mãos um palito e o próprio dedo. “Se quiser uma janela igual a do meu castelo, tem que pagar cinco mil cruzeiros”, já negociava o ambicioso Serginho. E um ritual “meio preocupante”, como costumavam dizer seus pais, acompanhava o final da brincadeira: Serginho sempre demolia todos os castelos de areia com certo sorriso “macabro demais pra uma criança”, dizia a tia. Mas era sim, inegável o prazer que esse garoto sentia na demolição das construções. Quanto mais elaboradas, mais explícito o prazer. Risadas decibélicas e cheias de más intenções calavam todos os presentes, de tão amedrontados e desconfiados que ficavam. Daí, seu apelido que o acompanhou a vida inteira: Serginho, o Demolidor! E não é que o baixote curtia o tal pós-nome?!

Nada seguiu diferente na adolescência. Montar e destruir era uma diversão para Serginho. Construir maquetes monumentais virou o seu hobby e muitos prêmios conquistou com suas exposições. Mas nada que pudesse ser apreciado depois, já que todas possuíam pouco tempo de vida. E como era fácil destruí-las! Tão fácil quanto destruir os castelos de areia. Mas como era possível? Serginho nunca revelava o material utilizado em seus projetos. Sabia-se, portanto, com certeza absoluta que se tratava de um material bem barato, já que Sérgio não abria a mão nem pra bater palma.

Enfim, o Demolidor teve um destino já previsto por quem o conhecia. Formou-se engenheiro civil em Juiz de Fora, mas logo mudou-se para Brasília, onde muitos empresários da construção faziam fortuna. Seus incríveis projetos, suas mirabolantes idéias a baixos custos chamaram a atenção de muitos políticos e muitas portas se abriram (ou foi ele que as demoliu? Bom...). E assim foi galgando seu sucesso. Fez projetos, fez empresas, fez fortuna. Só não fez filhos. Ainda bem, comentavam os vizinhos. Imagina ter que destruí-los depois?

E, finalmente Sérgio recebeu o projeto de sua vida. Construir um palácio! E o mais incrível: no Rio de Janeiro! “Ah, agora sim”, pensou. “Agora sim vou utilizar toda a experiência conquistada com os castelos de areia. Ah, minhas janelinhas, janelinhas bonitinhas...”. E assim o fez. Baixíssimo custo e um palácio, ah, que lindo o palácio, que lindas janelinhas e portas e portões tão charmosos. Todos queriam morar no palácio do Sérgio. Todos fizeram fila e alguns felizardos foram escolhidos e se mudaram e fizeram sua vida no palácio. Quantos enchiam a boca para dizer que moravam no palácio. Palácio! Palácio! O Palácio mais famoso da cidade. E, meu Deus, quando ninguém esperava, ele fez outro! Agora eram dois palácios. O Palácio I e o Palácio II. Ah, bom demais pra ser verdade. Mais outra fila e mais outros felizardos e mais mudanças e vidas novas.

Ei, mas será que alguém aqui já esqueceu do maior prazer do Demolidor? Que loucura! Tantas pessoas lá dentro dos palácios e tudo pode vir ao chão. Não seria agora que Sérgio iria se livrar do vício. Ou seria? Estava tudo muito calmo. Há anos pessoas habitavam os Palácios sem que uma maçaneta caísse. Ah, relaxa! Parecia mesmo que o Demolidor havia abandonado o hábito.

O Palácio III já estava a caminho quando a tragédia aconteceu. Caiu o segundo palácio. Foi ao chão o segundo palácio. Demoliu! Ruiu! Desfez-se o segundo palácio! E há quem diga que Sérgio deu uma daquelas suas risadas ao ver as imagens na televisão. E foi nesse instante que seu assistente, com lágrimas nos olhos, entrou no escritório com o projeto do terceiro palácio em mãos e desligou a tevê. Então ele pegou a planta, abriu-a lentamente sobre a mesa e falou:
- Nós vamos ter que fazer algumas modificações. Areia, que eu saiba, nunca foi material de construção, Sr. Naya!

2 comentários:

DanielPinho disse...

muito bom!! só fui realizar q se tratava do Naya no último parágrafo. genial!!

Cruela Veneno da Silva disse...

vamos ver agora quem vai ser o arquiteto da tumba dele.