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segunda-feira, dezembro 29, 2003

Sei que muitos, na época em que esta crônica foi escrita (03/07/2002, no Estadão), leram, mas resolvi, assim mesmo, publicá-la aqui, no meu humilde blog. Não porque Mário é amigo, mas porque falou e ainda fala em meu nome e em nome de muitos colegas.

Carta Aberta de Mario Prata a FHC

Sobre a Regulamentação da Profissão de Escritor.
(O Estado de São Paulo - 03/07/2002)
"Presidente:
Tenho certeza que se alguém lhe perguntar quem sou eu, o senhor responderá: o escritor. E, talvez - cutucado pela doce dona Ruth - até acrescente: pai do Antonio, também escritor.
Pois é, meu querido presidente: o senhor e a dona Ruth errariam. E eu estou aproveitando aqui o meu espaço no Estadão e os seus últimos meses aí no comando para te pedir um favor. Um favor de um brasileiro que o senhor conhece e até já leu uma vez ou outra. Um favor pessoal, quase íntimo.
O que eu quero, meu presidente, é que antes de o senhor deixar o governo, me reconheça como escritor. Não apenas eu. O Verissimo, o Ubaldo, o Loyola, o Mateus, o Jorge Amado, o Machado de Assis, também estão na mesma situação minha. Como está o meu filho Antonio. Resumindo, meu caro: não existe a profissão de escritor no Brasil. Vou repetir: não existe.
Quando declaro meu Imposto de Renda (não existimos, mas pagamos), tenho de me dizer ou jornalista ou assemelhado. É duro, meu presidente, depois de 42 anos escrevendo (e vivendo disto) ainda seja apenas um elemento assemelhado. Não é nem semelhante, é assemelhado mesmo!
Minha profissão não existe, presidente. Não posso me aposentar... Não tenho um sindicato que me represente. Estou sujeito a contratos de direitos autorais absurdos que sempre beneficiam os editores e/ou contratantes. Eles, todos com profissão definida.
Se me permite, senhor presidente, faça alguma coisa pela cultura neste seu fim de octaedro democrático. Sim, se o senhor olhar para trás, vai ver que deixará apenas as tais leis de incentivo fiscais que eu tenho certeza de que não lhe contaram direito como funcionam. Nunca tanto dinheiro ficou na mão de tão poucos (melhor ainda: poucas) "agentes culturais". Antes das tais "leis", as peças de teatro tinham oito apresentações por semana, lembra?
Agora têm três. Mas eu acho que nem o seu ministro da Cultura vai saber te explicar isso direito. Se quiser mais detalhes, converse com o embaixador de Portugal. Passei uns dias com ele lá em Lisboa e expus as minhas preocupações.
Voltando ao nosso problema, dos escritores. Dá um jeito aí, Fernando. Oficializa a coisa. Nos dê uma profissão, com direito a uma cidadania digna. Descola aí umas leis de incentivo pra gente (mas que não caia nas mãos das produtoras).
Não é nem mais por mim, que te peço isso publicamente. Mas é por uma nova geração de escritores que vem surgindo no País. Inclusive com o gigantesco apoio da sua esposa.
Não quero que o meu filho ouça a vida toda a ressalva: "Mas escritor é profissão? Tudo bem, mas, além de escrever, trabalha com o quê?"
Só para te dar um exemplo de um país onde o escritor é um profissional reconhecido pelas leis. E amparado por elas. Na Inglaterra, toda editora a publicar um livro, tem que mandar um exemplar para cada biblioteca pública do país. Claro que os 40 mil exemplares são comprados pelo governo. Quem ganha? Em primeiro lugar o público. Ganha a editora, ganha o escritor. Ganha o País. Ganha a profissão.
O senhor poderá dizer que eu estou chorando de barriga cheia, que eu vendo bem. Tudo bem, mas se eu não escrever um livro por ano até o fim da minha vida, talvez eu não possa ajudar o meu filho que anda lá por Barcelona tentando ser escritor. Ou seja, morro de fome.
E para o Imposto de Renda, serei apenas mais um assemelhado morto, um CIC a menos. Mas esta crônica, presidente, não vai morrer, não. Vão-se os dedos, ficam os dígitos.
Quebra essa pra gente, FHC. Mesmo porque você vai sair aí do Planalto Central e vai passar o resto da sua vida a escrever uns livros.
E não vai querer que na sua biografia para o século seguinte alguém leia: "Ex-presidente da República, no fim da vida tornou-se importante assemelhado."

P.S.: Por fim, senhor Presidente, já havia escrito a crônica acima, já havia visto o senhor elogiando os nossos craques e o Felipão, logo após a maravilhosa conquista dos nossos jogadores lá na Ásia. Pois logo depois de ouvir suas palavras, recebo um telefonema da produção do Fantástico, da Rede Globo. Me diz o rapaz que eles estavam pedindo para cinco escritores brasileiros uma pequena crônica de 30 segundos para ir ao ar logo mais. Fiquei envaidecido, presidente, de poder usar 30 segundos do Fantástico para cumprimentar aquela garotada toda. Só que - acrescentou o rapazinho - não tinha cachê. Se eu não faria o trabalho só pelo prestígio, senhor presidente. Será que esse rapazinho sabe quanto o Fantástico cobra por 30 segundos de comercial no domingo à noite? Será que ele sabe que eu trabalho há 42 anos, diariamente, para viver de... prestígio? "

PROJETO DE LEI - PROFISSÃO: ESCRITOR

O Congresso Nacional decreta:
Art. 1o. - A profissão de escritor será exercida:
pelos diplomados em curso superior de Língua Portuguesa, ou qualquer outra Graduação Universitária;
pelos diplomados em cursos similares ministrados por estabelecimentos equivalentes no exterior após revalidação do diploma, de acordo com a legislação em vigor;
por aqueles que, embora não diplomados com curso superior, tenham notório saber literário expresso em obra publicada;
por aqueles que, embora não diplomados, nos termos dos incisos I e II, venham exercendo até a data da publicação desta lei, a atividade de escritor comprovada e ininterruptamente, há pelo menos cinco anos.
Art. 2o. – É atividade específica do escritor:
A redação de textos, em prosa e verso, na magna Língua Portuguesa, ou em outras línguas de compreensão universal.
Art. 3o. – O exercício da profissão de escritor será exercido na forma do contrato de trabalho, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho, ou como atividade autônoma, conforme a legislação vigente.
Art. 4o. – O exercício da profissão de escritor requer registro em órgão federal competente, mediante apresentação de:
I – documento comprobatório de conclusão dos cursos previstos, nos incisos I e II do artigo 1o., ou atestado de registro bibliográfico e depósito legal fornecido pela Biblioteca Nacional e/ou Bibliotecas Estaduais, nos termos do inciso III do artigo 1o.;
II- Carteira de Trabalho e Previdência Social expedida pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Art. 5o. – A comprovação do exercício da profissão de escritor de que trata o inciso IV do artigo 1o , far-se-á no prazo de 180 dias, a contar da data de publicação desta lei.
Art. 6o. – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

- JUSTIFICATIVA -

Tem o presente Projeto de Lei a finalidade de criar no Brasil a profissão de Escritor. O deputado que o subscreve o faz na qualidade de membro da Academia Paranaense de Letras, inspirado em crônica lida no jornal O Estado de São Paulo, na manhã de 3 de julho de 2002, onde o escritor Mário Prata alerta a Nação de que esta profissão não existe.
Na crônica, publicada no Caderno de Cultura, Mário Prata declara que, ao preencher a sua declaração de Imposto de Renda, "tenho de me dizer jornalista ou Assemelhado".
É assim que a legislação brasileira trata, não apenas o Mário Prata, mas o Veríssimo, o Ubaldo, o Loyola, o Mateus, o Jorge Amado e o Machado de Assis. Assemelhados.
Mais uma injustiça cultural, entre tantas que este país de ágrafos tem cometido com os nossos grandes escritores. A impecável crônica de Mário Prata, na forma de carta ao presidente da República, motiva esta iniciativa de lei. Peço ao Congresso que a respalde, permitindo aos bafejados pelo talento literário, a possibilidade de ganhar seu pão cotidiano com prosa ou versos.
Enquanto o mercado premia com notáveis salários e direitos autorais os grandes publicitários, normalmente não faz caso dos talentos literários. A quem escreve, sempre se pede que o faça de graça.
A criação da profissão de escritor pode ser um começo para mudança deste tipo de pensamento.
Para criação de uma nova categoria profissional, onde, além do culto às musas, as letras sirvam à invenção dos empregos, ao mercado editorial, à difusão da cultura, à indústria produtora de livros.
Perceba-se no nosso Projeto, que se garante a liberdade de exercício da profissão de Escritor mesmo aqueles não diplomados – pedindo-se a estes, apenas que tenham obra publicada registrada na Biblioteca Nacional e/ou Bibliotecas Estaduais.
Assim, expressões culturais espontâneas – tais como, escritores da literatura de cordel - que nasçam do saber popular, de vertentes distanciadas da norma culta, inspiradas pela pureza de nossas raízes, poderão exercer o nobre ofício, desde que publiquem e registrem suas obras na Biblioteca Nacional e nas Bibliotecas Estaduais.
A criação da profissão de Escritor, depois de tantos anos da existência da Nação Brasileira, e desta República, será, certamente, importante reparação das humilhações sofridas por tantos brasileiros e brasileiras de talento, que se dedicaram a servir a magna Língua Portuguesa, expressando seus sentimentos através das letras.
E também ficaria vedado o chamado "cachê simbólico", sempre mais humilhante do que uma esmola, que inúmeras vezes as grandes corporações soem oferecer aos grandes talentos literários.
Ao criá-la, no dizer de Mário Prata, este Congresso responderá a triste ressalva: "Mas escritor é profissão? Tudo bem, mas, além de escrever, trabalha com o quê? "


copyright by Denise Camillo Duarte

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