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segunda-feira, outubro 20, 2003

Um inimigo chamado Alzheimer

Minha vó conheceu esse cara, uma vez, não sei onde. Só sei que ele nunca mais a largou. Não sossegou enquanto Vovó Dinheirinho não fosse totalmente só dele e de mais ninguém. Esse cara faz assim: vem de mansinho, finge que é outra pessoa, às vezes Dr. Lapso, às vezes Seu Espasmo, Mister Lack of Mind, etc. Vai tomando conta, como quem não quer nada, e assim, pouco a pouco vai mostrando suas verdadeiras intenções.
Sua possessividade exacerbada impede que seu objeto de desejo mantenha relacionamento com outros seres. Faz com que esqueçam nomes de entes queridos e até suas fisionomias. Ciúme louco! Só que eu já descobri sua identidade. Sei que é alemão. Deve ser descendente de Hitler. Só pode. Chama-se Alzheimer. E ele não desiste. Agora quer meu avô Chagas. Que raiva! Ele tá conseguindo novamente. E é sempre da mesma forma: traz o máximo de confusão dentro de casa, a ponto da família do escolhido achar melhor levá-lo para "um lugar mais apropriado", sempre disfarçado de clínica psiquiátrica, que, tenho certeza, é tudo propriedade dele... do Alzheimer. E meu vô está lá, nas mãos desse cretino. E lá dentro existe um mundo paralelo, um mundo criado por ele e seus capangas. E é lá que moram todos os escolhidos. E me olham incessantemente, pois sabem que eu não pertenço a eles. Não mais. Fazem-me perguntas sobre seus mundos, só pra me testar. E eu sou reprovada, porque não sei as respostas, não conheço os segredos. Eles todos se entendem. Logo que chegam, protestam, mas após uma lavagem cerebral, aceitam e, quando menos esperamos, já pertencem ao local. Meu avô já está assim. Enganado. E fala que é do Exército e todos acreditam. O capitão reformado do quarto ao lado jura que já trabalhou com ele. É tudo um complô, contra nós, pessoas ainda livres deste mal. Mal de Alzheimer. Meu mais recente inimigo.

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